É verdade, vivo em tempo de trevas
É insensata toda a palavra ingénua. Uma testa lisa
Revela insensibilidade. Os que riem
Riem porque ainda não receberam
A terrível notícia.
Que tempos são estes!
Uma conversa sobre as árvores é quase um crime
Porque traz em si um silêncio sobre tanta monstruosidade.
(...)
Dizem-me : come e bebe! Agradece por teres o que tens!
Mas como posso eu comer e beber quando
Roubo ao faminto o que como e
O meu copo de água falta a quem morre de sede?
Apesar disso eu como e bebo!
Também eu gostaria de ter sabedoria.
Nos velhos livros está escrito o que é ser sábio:
Retirar-se das querelas do mundo e passar
Este breve tempo sem medo.
E também viver sem violência
Pagar o mal como o bem
Não realizar os desejos, mas esquecê-los.
Ser sábio é isto.
E eu nada disso sei fazer!
É verdade, vivo em tempo de trevas!...
(...)
Vós, que surgireis do dilúvio
Em que nos afundámos
Quando falardes das nossas fraquezas
Lembrai-vos
Também do tempo de trevas
A que escapastes.
Pois nós, que mudamos mais vezes de país que de sapatos
Atravessámos as guerras (...), desesperados
Ao ver só injustiça e não revolta!
E afinal sabemos:
(...)
Também a cólera contra a injustiça
Torna a voz rouca. Ah, nós
Que queríamos desbravar o terreno para a amabilidade
Não soubemos afinal ser amáveis.
Mas vós, quando chegar a hora
De o homem ajudar o homem
Lembrai-vos de nós
Com indulgência...”
Bertolt Brecht
quarta-feira, 24 de outubro de 2007
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